Um ano depois de sua morte, publico minha homenagem àquele que movimentou as massas populares do Rio Grande do Norte em vida. Escrevi o texto à época de sua morte, mas não o postei. Já estava na hora...
Réquiem para um político
Mania de brasileiro – santificar os políticos mortos. Depois de falecidos, eles se transformam em verdadeiros mártires democráticos, homens que viveram para o povo e, por isso, do povo recebem suas exéquias. Multidões às ruas: crianças gritando – até mesmo sem saber a razão – donas-de-casa chorosas e velhos respeitosos prestam suas últimas homenagens aos corpos que caminham para as sepulturas. Assim os brasileiros os transfiguram em heróis.
Quando soube da morte do líder político Aluízio Alves, logo imaginei a comoção que tomaria parte da população do estado, principalmente dos que viveram intensamente as campanhas do líder populista, famosas por grandes comícios, passeatas, vigílias, enfim, manifestações populares. Não fiquei surpreso, portanto, com as declarações de várias personalidades norte-rio-
grandenses, tampouco com as reportagens veiculadas na imprensa.
Li, assisti e ouvi por vários dias a mesma litania: de democrata coerente a exemplo de líder político a ser seguido, Aluízio Alves recebeu todos os elogios possíveis. Mas, ao mesmo tempo em que escutava a isso, me perguntava: “e os que apresentam uma versão diferente do velho político, por que não falam?”.
Nesses poucos anos de minha vida, aprendi que os silêncios revelam muito mais do que as falas: são os gritos abafados, as vozes que ecoam incompreensíveis, as versões dos derrotados pelo poder. Assim, movido pela curiosidade, voltei à história do Rio Grande do Norte e me deparei com um Aluízio diferente. Para atestar isso, passarei a narrar a partir de agora.
1964. Quatro anos antes, uma aliança formada pelos jovens e promissores políticos Aluízio Alves e Djalma Maranhão, derrotou o candidato do governador Dinarte Mariz, o deputado federal Djalma Marinho. Eles foram eleitos governador e prefeito, respectivamente. A coligação vitoriosa, denominada Cruzada da Esperança, recebeu amplo apoio popular. Porém, pouco tempo depois, governador e prefeito já não se entendiam.
Com a ascensão do presidente João Goulart ao poder, após a renúncia de Jânio Quadros, o quadro político brasileiro abalou-se mais ainda, e a polarização ideológica aumentou. Neste período ocorriam grandes discussões no campo da cultura e educação no Brasil, e, como nos descreve Santuza Cambraia Naves, entre os universitários, havia aqueles que se comprometiam com uma política cultural voltada para um movimento de conscientização e transformação da sociedade brasileira. Em Natal não era diferente: priorizando os programas de alfabetização popular e conscientização política, o prefeito Djalma Maranhão criou a campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. Enquanto isso, o então governador Aluízio Alves se utilizava do dinheiro americano da Aliança para o Progresso para tocar, com tranqüilidade, o barco do seu governo.
As divergências políticas se acentuaram e o primeiro de abril trouxe surpresas maiores do que as esperadas, pois um golpe militar quebrou a normalidade democrática. Enquanto Aluízio Alves esperava o acerto das forças militares, Djalma Maranhão anunciou, em nota oficial, que se lançava em defesa da democracia e do estado de direito no Brasil. A exemplo de outros políticos, o prefeito foi preso, perseguido e exilado em Montevidéu, onde morreu.
Aluízio Alves, em toda sua coerência democrática, ao contrário, criou uma Comissão de Investigação Paralela à do Exército, “com poderes especiais para processar, prender e encarcerar os supostos subversivos” norte-rio-grandenses, como nos conta Mailde Pinto Galvão. Os “subversivos” que se livravam da comissão militar eram também investigados pelos civis. Diga-se, de passagem, que não há registro de nenhum outro governador que tenha criado um órgão semelhante a esse.
Ainda nos anos sessenta, Aluízio foi cassado e passou a integrar a oposição ao regime militar. De líder democrático a líder que apóia a ditadura e que depois a ela se opõe, ele foi um político de uma lógica torta.
Assim, eu me ponho a pensar nas vozes silenciadas pelas perseguições dos civis comandados pelo então governador, nas vidas cerceadas de liberdade pelas grades físicas e mentais de uma ditadura que ele próprio ajudou a implantar no Rio Grande do Norte.
Não nego suas qualidades de líder político nem seus feitos na história do nosso Estado. Mas, para mim, a morte não redime os pecados de ninguém.