Sem qualquer tipo de humor negro, mas vocês já foram a algum enterro no qual o defunto foi execrado pelos presentes? Já leram alguma homenagem póstuma que ridicularizava o morto? Não? Eu também.
Deve existir algum temor cristão que nos apavora ao ponto de falarmos bem até daqueles que fizeram as piores ações na Terra. Será que não é o medo de que o defunto volte para cobrar um “rito de passagem” mais tranqüilo aos mundanos? O historiador francês Jean-Claude Schmitt, em Os vivos e os mortos na sociedade medieval, nos lembra que, no imaginário medieval cristão, “o morto podia aparecer a um parente ou amigo para reclamar-lhe os sufrágios de que tinha maior necessidade”. Vai ver que ainda existe um resquício desse imaginário atualmente e nós temamos ser mal-assombrados por tais fantasmas.
Por isso, talvez, as pessoas sempre interfiram quando alguém resolve falar sobre um morto:
- “Deixe pra lá. Ele já morreu e não pode respondê-lo.” – dizem.
Em todo caso, a melhor definição que já encontrei para todas aquelas honras de última hora está no livro Um Deus passeando pela brisa da tarde, do escritor português Mário de Carvalho:
“O decênviro Pôncio Velutio Módio produziu um arguto e prolongado elogio fúnebre, inspirado em exemplos conhecidos, com uns toques de Plutarco, duas frases inteiras de Tibério Graco e abundantes furtos de Cícero, muito descarados. Se Trifeno não o tivesse merecido vivo, não o desmereceria totalmente em morto. Que importa, se uma oração fúnebre não se adapta exatamente ao homenageado? Quem sabe como foi, realmente, um homem? Se a morte não o tivesse soprado tão cedo, talvez ainda Trifeno viesse a efetuar as benfeitorias que lhe eram atribuídas. Não é, verdadeiramente, ao homem que viveu, e cujos despojos ali jazem, sobre a pira funerária, na sua inerme materialidade, que se dirigem os elogios. Antes ao projeto de homem que as circunstâncias poderiam ter revelado. Todos, incluindo o interessado, prefeririam ter sido íntimos deste último. É, pois, legítimo e mesmo obrigatório que se o convoque. Uma elaborada homenagem, como aquela, lustra quem a profere, lustra quem a ouve e lustra a cidade, acrescentando-a com a revelação de mais um cidadão distinto, agora infortunadamente falecido, em que antes – com culpa – ela nem havia atentado.”
Lindo, não é? Espero que alguém faça igual quando chegar minha hora.
Deve existir algum temor cristão que nos apavora ao ponto de falarmos bem até daqueles que fizeram as piores ações na Terra. Será que não é o medo de que o defunto volte para cobrar um “rito de passagem” mais tranqüilo aos mundanos? O historiador francês Jean-Claude Schmitt, em Os vivos e os mortos na sociedade medieval, nos lembra que, no imaginário medieval cristão, “o morto podia aparecer a um parente ou amigo para reclamar-lhe os sufrágios de que tinha maior necessidade”. Vai ver que ainda existe um resquício desse imaginário atualmente e nós temamos ser mal-assombrados por tais fantasmas.
Por isso, talvez, as pessoas sempre interfiram quando alguém resolve falar sobre um morto:
- “Deixe pra lá. Ele já morreu e não pode respondê-lo.” – dizem.
Em todo caso, a melhor definição que já encontrei para todas aquelas honras de última hora está no livro Um Deus passeando pela brisa da tarde, do escritor português Mário de Carvalho:
“O decênviro Pôncio Velutio Módio produziu um arguto e prolongado elogio fúnebre, inspirado em exemplos conhecidos, com uns toques de Plutarco, duas frases inteiras de Tibério Graco e abundantes furtos de Cícero, muito descarados. Se Trifeno não o tivesse merecido vivo, não o desmereceria totalmente em morto. Que importa, se uma oração fúnebre não se adapta exatamente ao homenageado? Quem sabe como foi, realmente, um homem? Se a morte não o tivesse soprado tão cedo, talvez ainda Trifeno viesse a efetuar as benfeitorias que lhe eram atribuídas. Não é, verdadeiramente, ao homem que viveu, e cujos despojos ali jazem, sobre a pira funerária, na sua inerme materialidade, que se dirigem os elogios. Antes ao projeto de homem que as circunstâncias poderiam ter revelado. Todos, incluindo o interessado, prefeririam ter sido íntimos deste último. É, pois, legítimo e mesmo obrigatório que se o convoque. Uma elaborada homenagem, como aquela, lustra quem a profere, lustra quem a ouve e lustra a cidade, acrescentando-a com a revelação de mais um cidadão distinto, agora infortunadamente falecido, em que antes – com culpa – ela nem havia atentado.”
Lindo, não é? Espero que alguém faça igual quando chegar minha hora.
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